segunda-feira, novembro 10, 2003

Tribu aura popularis

Estava eu, muito refastelado, na minha sala de meditação, remoendo o almocinho que a minha Juscelina fez, passando até por umas brasas, quando senti a televisão aumentar de volume. Como costumo respeitar o mandamento de descanso absoluto aos domingos, fiquei, seriamente irritado. Tinha havido alguma revolução? A Tchechenia tinha invadido a Rússia? O príncipe já não ia casar com a locutora de televisão? Alguém tinha sofrido um interrogatório violento nos Ídolos, e tinha perdido a estribeira?
Nada disso. Abrindo, lentamente, os olhos, fui-me apercebendo que era por causa da inauguração do Estádio. Pasmo! O Presidente e o Primeiro iam viajar para uma cimeira importante mas pior do isso, a segunda figura da Tribulandia não tinha sido convidada.
Era lá possível! Com o devido respeito, os primeiros deviam resignar aos mandatos, e o segundo ninguém o mandou ter a mania do cumprimento dos Regulamentos. Por acaso, até me era simpático, antes dessa atitude discriminatória. Então a actividade política não se desenvolve nos estádios? Não é lá que os eleitos, os não eleitos e os que querem ser reeleitos se aproximam das populações e se mostram mortais? Já não era assim na antiga Roma, berço da civilização e da latinidade? Por acaso, aprendi algum latim quando ajudava à missa. Nem percebo, como os americanos são a potência que são com aquela equipa de trazer por casa.
Todos se apressam, nas mais variadas situações a declarar o clube da sua preferência, a mostrar o cachecol e a comentar os lances de maneira diplomática, como mandam as boas regras do mandar. Fico, sempre bem impressionado, com a clareza e paixão com que abordam as questões do futebol, tirando um, que era do contra (lembram-se da penhora?), e que penso, com esse pecadilho, perdeu a hipótese de se candidatar a Presidente. Também quem lhe teria aconselhado a penhorar uma sanita?
Eu até nem gosto dos sanitários dos velhos estádios. Ainda bem que estão a construir 8 com todas as condições. Só lamento não terem construído um numa terra do interior, onde se sente o país profundo, para ajudar ao desenvolvimento local.
E onde está o nosso orgulho, senão nas estrelas que enchem os estádios dessa Europa? Alguns até são embaixadores itinerantes, desbravando os caminhos do mundo, como fizeram os nossos mais brilhantes antepassados. Só que agora, em vez das velas ufanas, da cruz e da espada, levam os Porches, as chuteiras e aquelas pernas que valem ouro. Tenho o retrato de todos eles no meu quarto, na sala, e na cozinha, por causa da minha mulher.
Ainda um dia destes, vi, um adepto dum clube inimigo do meu, dizer que dava a vida pelo seu clube. Eu não vou tão longe porque deixava de ver o Domingo Desportivo... A menos que no céu tenham televisões gigantes e a Tvpagasport, e não me consta.
Quanto a mim tinham obrigação de adiar a cimeira. E o outro de devolver o pilim aos que se sacrificaram a viajar para o terreno do inimigo, a fazer política, e da boa. Espero bem que o Tonecas não falte.
Eu cá, já comprei o bilhete para a inauguração porque ainda tenho esperanças de ser Presidente de Junta. O Rio não vai ao Mar Alto se for contra a corrente.

Conselho do dia-Não procure um lugar seguro para inverter a marcha. Faça-o onde está. Vai ver que todos se divertem muito e vão aplaudir a sua destreza.

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