quarta-feira, novembro 12, 2003

Mais atribulações

Hoje ia-me dando um blog. O meu patrão chamou por mim, e eu julguei que ele me ia dar um raspanete por ter perdido uma tarde, na fila da compra de bilhetes para a inauguração do Estádio, embora ele também seja adepto do meu clube. Trabalho é trabalho e conhaque é conhaque, diz. Mal entrei, mandou-me sentar numas cadeiras baixinhas que ele tem em frente à sua secretária, e não sei porquê, até me ficou a doer o pescoço, de ter que olhar para cima. Ofereceu-me um cafézinho, coisa rara. Julguei que me ia, finalmente promover a escriturário de primeira. Mas não. Começou por me perguntar pela mulher, pelos filho e pelos gatos. A seguir fez-me uma palestra sobre a crise económica, os problemas da globalização,as restrições de Banco Central Europeu, a necessidade de o país se modernizar e aumentar a produtividade, etc... Finalmente, ao fim de tantos anos, quer ouvir a minha opinião sobre as asneiras que se fazem na firma, pensei com os meus botões. Mas também não me deu a mínima. Comecei a sentir uns suores frios, como quando estive de cama com a asiática.
Que eu já tinha 49 anos e estava perto dos 50 (grande novidade), que a economia exigia sangue novo, rotações elevadas (?) e modernidade; que embora eu fosse muito útil, já era tempo de dar lugar aos novos pois me considerava uma relíquia patrimonial da casa. Comparou-me, assim, com o rádio que o meu avô me deixou. Aqui há música, pensei.
Que eu tinha que começar a gozar a vida e falou duma coisa esquisita, chamada luasires; que agora teria tempo para os meus netos, ao que esclareci ser o meu filho solteiro e pouco dado a relações perpétuas; que poderia estar no café quase todo o dia ( a fazer o quê?) e que me poderia retirar com a consciência tranquila do dever cumprido. É ou não bonito ouvir isto? Se não fosse o começar a pensar no tamanho reduzido da pensão, teria dado pulos de orgulho.
Finalmente, ofereceu-me de recompensa, pr 30 anos de bom serviço, três meses de vencimento e uma viagem à Madeira na época baixa. O que vou eu, sózinho, fazer para a Madeira ? Estaria a pensar que eu iria colar cartazes para o Jardim?
Se eu não estivesse disposto a aceitar, seria colocado na filial de Tordesilhas. Retorqui que Tordesilhas já não era nossa mas ele esclareceu que agora, no espaco europeu, é tudo a mesma coisa e que a Espanha estava a progredir muito. Fiquei consolado. Depois lhe daria uma resposta, tendo 24 horas para pensar.
A minha cabeça começou a fervilhar, cá fora, claro. Ele tinha 71 anos mas não precisava de descanso. Ele estava a sacrificar-se para o filho poder andar nos rallies como bom pai que era. O manda-chuva do Banco Central Europeu era jovem, o do Banco Federal também. Porque é que eu envelheci tanto? Talvez a minha Juscelina tenha razão para as queixas quanto à minha falta de produtividade, em casa.

Conselho do dia-Nos cruzamentos qualquer que seja a direcção que vai tomar não dê qualquer
sinal. Os que circulem atrás de si que usem a imaginação. Você merece.

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