quarta-feira, novembro 26, 2003

Fialho de Almeida - Figuras de Destaque

Anda a dizer-me o meu amigo Pedro, em Tordesilhas, que eu não publico nada de profundo, de aspecto intelectual e eu não gostei. Faz-se um jeito a um amigo e ainda se é criticado. Ele diz que tem visto páginas com muito mais gabarito. Puxei da cachola, escrevi, li, matutei. Ao fim de muitas horas e para não ser plagiário (onde é que eu vi isto?), resolvi colocar aqui um excerto de um texto que, embora desactualizado, me impressionou. Espero ele agora fique mais contente, e me traga um bacalhau de lá para o Natal.

DE Fialho de Almeida
Camillo Castelo Branco

Pouco mais ou menos á hora em que um pateta pedia, se expulsassem das bibliothecas publicas os romances, dava um tiro nos miolos, em S. Miguelde Seide, um romancista. Aponto avulsamente estes dois factos, que só se tocam pela coincidencia, do tempo, e outra coisa não querem dizer, senão que o banaes estão cada vez mais atrevidos, e os homens de talento cada vez mais desgraçados.
Não me deterei, portanto a commentar a objurgatoria do singular traga-novellas─ que se desforça talvez da queimadura que a satyra do parlamentar Calisto Eloy, da Queda d´um Anjo,lhe haveria causado, na prosapia─e acerco-me do suicida com a tristeza apathica dos que viram, entre as ruínas d´um paiz vencido, o seu derradeiro gigante, assassinado.
E é este um paiz vencido─ da sua própria corrosão, da sua própria miséria - um paiz charogne, um paiz gasto, um paiz podre, que se deixou resvalar, perdida a veneração das grandes coisas, ao regueirão das raças liquidadas. Tudo m´o diz: a sua ancia de viver, entre reclames, uma existencia de pandega barata, sob apparencias facticias de largueza: a sua cachexia physica crescente, a sua depressão mental assustadora, a falta de estímulo e de critério moral - e mais que tudo, essa indifferença cynica, de porco e de pária, com que ele vê o estrangeiro bater-lhe à porta, os governantes venderem-no, escarnecendo-o o mundo, os seus raros homens cairem fulminados─e tudo isto, sem que na sua boca haja um lamento e nos seus olhos uma lágrima, sem que as suas mãos se crispem e o seu espírito estremeça─tamanha a abjecção e tamanho o egoismo d´esta escória dos povos meridionaes.


Fialho de Almeida

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