Tento sair da garagem. Acciono o comando para abrir a porta. Paro em cima do passeio. Uma fila imensa de carros me aguarda. Troco olhares com três ou quatro condutores que avançando dois metros me tapam a saída. O quinto, mais benevolente, deixa-me entrar na fila. Agradeço, repetidas vezes. Ponho até o braço de fora para assinalar o meu reconhecimento. Chego ao cruzamento. Ao poder avançar, em frente, um que vinha em sentido contrário, pespega-se e corta a passagem. Mais adiante, uma caminheta, faz manobras em cima do passeio e, como paro, o condutor, aborrecido, faz-me sinal para passar por um buraco de agulha. Agradeço, em português. No semáforo seguinte, dois pobres condutores não reconhecem a cor vermelha e passam. Tudo isto no meio de muitos piscas ligados de carros mal estacionados (a perturbar o fluxo de trânsito, a sério). Paro para fazer umas compras. Ao subir a escada rolante, um jovem casal, à minha frente. Ele formal, de cinzento, chaves do carro numa mão e a outra vai-se entretendo a bater com pancadas, certas e ritmadas, não violentas nem acariciadoras, nas traseiras das calças de ganga. Ela pergunta, a certo tempo, porque lhe batia ele. Ele responde que era para ela avançar mais depressa. Ela sorri (?) e ele olha para trás com ar de afirmação. Desvio-me de tal romantismo. Como estou perto do escritório de um velho amigo,ligo-lhe para tomarmos um café. Tem que ser no escritório. Entro, cumprimento e acabo por assistir a trinta chamadas por telemóvel. Agradeço o café e sugiro uma cavaqueira, sem telemóveis, um destes dias. Volto para o inferno anterior. De repente, vejo alguém muito sorridente, a a caminhar no passeio. Longos minutos de felicidade por telemóvel. Que raio terão aquelas frequências?
Ouço Renato Zero. Qualquer coisa como “Libera”. Uma nova era se desenvolve perante mim. A era pós telemóvel.
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